6 Meses de Adoção, 6 Meses Desenvolvendo o Sentir

Chico_6Meses_Final

 

Era um domingo de julho, atípico, ensolarado como hoje, há seis meses… Meu destino cruzou com um cãozinho vira-lata, tímido, medroso, ressabiado e olhar expressivo.

Eu, que tinha hora para sair de casa e sem hora para voltar, num gesto de impulsividade e paixão à primeira vista, o adotei. Batizei-o de Chico, nome do Papa e do Santo que gosto muito.

As primeiras semanas foram difíceis, Chico chorava o tempo todo, latia do nada e tremia a cada carinho. Eu ia trabalhar a base de energético e passei a utilizar com mais frequência a minha caneca de café durante o dia. Minha hora de almoço passou a ser dele, era o tempo que eu estava mais desperta e conseguia insistir numa aproximação, ensinar o uso do tapetinho higiênico, levar para passear, dar de comer. Nem sempre eu conseguia almoçar, mas sentir que estávamos evoluindo na relação, me satisfazia.

Já passamos meio inverno, uma primavera e meio verão juntos. Chico já ultrapassou diversas fases: A de comer havaianas, comer o rolo do papel higiênico quase inteiro, comer apenas biscoitinho e nada de ração, cheirar minhas meias. Agora ele está na fase de se achar cão de guarda do bairro, farejador do FBI e meu defensor absoluto. Se quiser se aproximar de mim, é melhor trazer alguns biscoitinhos ou vai ter um cãozinho latindo na sua orelha por vários (que parecerão intermináveis) minutos. Além disso, ele vai cheirar você inteirinho até dar autorização para você dar um passo a frente.

Diferente dos humanos, a única forma de comunicação dele é através de latidos, gemidos e choro. Nunca vou ouvir Chico dizer “mãe, estou com dor de barriga”. Não que isso o deixe menor, afinal, cá entre nós, sabemos de humanos que vão viver muito e ainda assim, comunicar-se-ão feito principiantes. C´est la vie.

Penso que é um equívoco afirmar que me tornei mais sensível em função desse tipo de comunicação do Chico, mas é fato que estou desenvolvendo minha sensibilidade com o intuito de sentir o que significa cada latido, gemido, choro ou lambida. E isso tem impactado na minha vida de forma geral. Porque eu estou há anos com o exercício de julgar menos e conseguir se colocar no lugar do outro. Chico me fez entrar num módulo “intensivo ultra hard” de empatia. Estou entendendo (não significa que aceitando) com mais facilidade as direções dos humanos. Sinto-me mais leve e, consequentemente, mais feliz.

Se eu passei muito tempo falando sozinha, agora eu falo com o Chico. Penso que ele também tenta me entender. Às vezes, eu peço: Chico, esqueci a toalha, vai lá na lavanderia pegá-la por favor, não quero sair do banho e molhar a casa inteira. Ele parece dizer: Se eu conseguisse pular até a altura do varal, eu atenderia você. Todos os dias fazemos oração juntos. Por vezes, ele parece refletir: Essa mulher é doida! Mas eu gosto mesmo, quando ele me lambe querendo dizer “tudo vai dar certo”. Sem dizer na velocidade 9 do rabo dele quando eu chego em casa.

Chico é travesso, levado, carinhoso, por vezes malcriado e dengoso. Como todo ser em desenvolvimento e saudável.

Estou feliz por honrar a confiança que Chico me deu. Estou feliz porque ele está mais corajoso e seguro de si. Fico feliz quando o vejo brincando, serelepe. Sou feliz, também, por ser mãe de cachorro. Sou grata por esse vira-lata me ajudar a desenvolver a sensibilidade do ver, ouvir e sentir, não apenas com o físico, mas com a alma. Sou grata por ele ensinar tanto.

É uma delícia ser a mãe do cãozinho mais lindo do Sul do mundo. \0/

MF, 24/01/2016.

 

Aprendendo na Ilha

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Hoje não faz sol na Ilha, mas também está abafado para ficar dentro de casa. Pronto, encontrei mais um motivo para um rolê… Os outros motivos são: encontrar a casa da D. Luiza, diz minha mãe que é a melhor cozinheira de salgadinhos de camarão e que todas as outras quituteiras da Ilha aprenderam com ela; andar por aqui tem cheiro e gosto de infância, quero relembrar meus desejos, quais foram realizados, quais foram esquecidos, quais foram incluídos na lista…

A Ilha está invadida pelos turistas e meu egoísmo não permite que eu veja vantagens nisso. Não enquanto não existir infraestrutura para receber todos que querem conhecer a 3a cidade mais antiga do Brasil (descoberta em 1504) e onde esta o Museu Nacional do Mar, queridinho do Amyr Klink. Procuro por praias desertas, por ondas, pelos meus sonhos e pela D. Luiza!!!

Chico me olha intrigado, parece perguntar se não estou com pressa. Chico me conheceu uma mulher com pressa, sem tempo e, talvez, desiludida. Ainda criança, eu sonhava ser dona do meu nariz, da minha conta bancária e do meu tempo. Conquista alguma paga o preço de não sermos senhores do nosso tempo, se formos refém de alguma instituicao ou qualquer pensamento que não seja o nosso. Isso é motivo de desilusão na certa.

Meu rolê continua, check list dos meus desejos à pleno valor em minha mente, lembranças da infância, cheiro do mar… deliciosa sensação…

Cadê D. Luiza? Perdi a noção das horas, mas sei que estou com fome. Espero que tenha salgadinhos prontos… Encontrei uma casa verde com a dita placa dos quitutes, mas a D. Luiza, nao! O marido informou que ela havia ido ao supermercado e logo voltaria. Ouvi o som de ondas e resolvi ficar por perto aguardando a chegada da famosa quituteira.

Alguns metros a frente conheci o Seu João, faz e conserta redes de pescaria. Me deu atencao, enquanto ouvia seu radinho, pitava e fazia remendos numa rede. Contou que suas redes viajam mundo afora e que conhece muita gente. “Às vezes vem gente do estrangeiro, nao entendo nada, mas quando queremos nos comunicar, a gente då um jeito; minha paixão é isso aqui”, disse ele.

Saboreei os salgadinhos ainda pelo caminho, não quero mais ter pressa, não preciso… Me dei conta que realizei muitos desejos que não sonhava na infância, que pessoas inspiradoras sempre cruzam no meu caminho, que ainda tenho muito a aprender, mas sou razoável em comunicação e que meus olhos brilham tendo consciência e gratidão por tudo isso.

MF em São Francisco do Sul, 02.01.2016

Ps.: Seu João trabalha sem camisa e por isso, não queria tirar foto. “Sou simples, mas não quero parecer deselegante.” Mal sabe ele o quão rico e elegante é e o quanto me ensinou hoje.
Pedi permissão para uma fotinho de longe. Além de elegante e rico, também é gentil.